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O Protonacionalismo normalmente é o conceito utilizado para caracterizar o embrionário nacionalismo africano. Segundo Mário Pinto de Andrade o protonacionalismo abrange o período histórico de emergência de um discurso que se distingue pelo seu triplo carácter fragmentário (no pensamento e na acção), descontínuo (na temporalidade) e ambivalente (no seu posicionamento face ao sistema colonial). Salienta ainda que em fase com as aspirações nativistas locais, o ideário protonacionalista eleabora-se a partir do lançamento do jornal O Negro, em 1911, e falece no início dos anos 30, submerso pelas contradições inerentes ao Movimento Nacionalista Africano. Esta dinâmica colectiva que surgiu simultaneamente nas colónias portuguesas e na «Metrópole», foi impulsionada por uma fracção social onde a intelligentsia exercia a hegemonia e se erigiu como porta-voz das populações anónimas. Considera o mesmo autor que o protonacionalismo é uma produção ideológica que se insere nos movimentos libertadores da época. – Ver: Mário Pinto de Andrade – Origens do Nacionalismo Africano, 2ª edição, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1998, pp.77 – seg.
A consciência nacional pode ser considerada como uma espécie de ideia ou sentimento colectivo de uma dada comunidade ou povo sentida/experimentada através da tomada ou apropriação de uma noção de si, enquanto totalidade composta pelos membros singulares que alimentam o imaginário com base no sentimento de experiência partilhada (território, costumes, língua, religião, memória, destino…) e no sentimento de pertença comuns.
É com base nessa consciência nacional que os indivíduos da comunidade nacional se concebem como comunidade colectiva imaginada e se sentem como membros irmanados por laços e afinidades baseados na história e na cultura. Porém, estas exprimem-se e revelam-se nas memórias, símbolos, mitos, heranças, etc, formando uma comunidade de história e destino cuja “autenticidade” é conferida pela sua própria historicidade.
É de salientar que, ao problematizar a consciência nacional enquanto elemento de reflexão e análise, deparamos com dois paradoxos que são inerentes à natureza do próprio fenómeno. Primeiro, temos que ter em atenção que a consciência nacional é um dado posterior à emergência e formação de uma nação: primeiro a nação e a seguir a consciência de facto da sua existência. Ou, dito de outro modo, não há consciência nacional, entretanto existe a nação. O que quer dizer que a nação efectivamente antecede a sua própria tomada de consciência, que a reconhece como existente, como um facto e lhe confere “vida” enquanto tal. Segundo, fala-se de uma consciência nacional ou, se quisermos, de uma consciência de nação, mas a apropriação e disseminação dessa consciência processa-se de forma lenta e gradual. A nação existe, com a sua coerência, os seus caracteres próprios, mas a consciência deste facto e desta realidade encontra-se primeiramente na mente de uma minoria – a elite política e intelectual – geralmente próxima do poder político, a partir do qual essa consciência se difunde e propaga para a base.
De facto, a consciência nacional começa como um fenómeno de elite no qual, historicamente, os intelectuais desempenham um papel preponderante. As elites encarnam metaforicamente na “alma” ou na consciência viva e clara cuja nação é o corpo. Por isso, a nação enquanto corpo, começa a ganhar a consciência, de forma lenta, da sua totalidade.
A apropriação e, por conseguinte, a disseminação da consciência nacional toma forma de uma aspiral: surgem normalmente em pequenos círculos elitizados da sociedade que, pelo trabalho e doutrinação do povo, a nação corporiza através de uma consciência colectiva que lhe confere noção de algo absoluto. Há uma outra questão que ainda merece ser levantada. Primeiramente existe um corpo-nação mas, no entanto, pode não haver em simultâneo uma ideia ou uma consciência colectiva de uma identidade nacional e muito menos um nacionalismo. Contrariamente podemos ter um corpo-nação com uma consciência nacional (mesmo que seja ténue) mas sem nenhuma ideologia nacionalista. Entretanto o nacionalismo, enquanto ideologia ou doutrina de “exaltação da própria nação”1 como algo absoluto é sempre movido e fundamentado por uma consciência nacional.
Por sua vez, a consciência nacional pode existir independentemente ou sem estar ao serviço de qualquer nacionalismo. Porque a consciência nacional, após a sua emergência ou afirmação, converte-se em algo permanente e vivo como uma espécie de luz, alma e vida para o corpo da nação existente; é a alma que sustenta a noção de um corpo, ou melhor, um corpo com uma noção de si.
No que diz respeito ao nacionalismo é de referir que pode ser considerado uma ideologia, “uma doutrina e um sentimento”2. Pode tomar contornos variados como também pode ser alimentado por diferentes conteúdos – daí falar-se de nacionalismos (linguístico, cultural, étnico, religioso …). Mas, qualquer que seja o seu conteúdo, o nacionalismo pode atingir e afectar outras dimensões da vida colectiva de uma dada comunidade porque “o nacionalismo é muito mais do que uma ideologia. Ao contrário de outros sistemas de crenças modernas, o seu poder depende não só da ideia geral da nação, mas também da presença e carácter desta ou daquela nação específica por si tornada num absoluto”1.
Seja como ideologia, doutrina, sentimento, ideia, o nacionalismo constitui um meio legitimador da ideia de absolutização da nação como uma entidade. Por outras palavras, é de salientar que o nacionalismo é um conceito difícil de definir por causa da diversidade dos conteúdos que o alimentam (linguístico, étnico, político, religioso…) e dos contextos e conjunturas históricas específicas que o produzem. Ou seja, dada a variedade de formas em que o conceito é utilizado, devido também às diferentes substâncias que o sustentam, pode não gerar uma unanimidade em termos da sua definição. Esta asserção pode ser fundamentada pela forma como o termo nacionalismo tem sido utilizado de formas variadas e querendo significar:
- todo o processo de formação e conservação de nações ou de estados-nação.
- uma consciência de pertença à nação, unida a sentimentos e aspirações pela sua segurança e prosperidade.
- uma linguagem e um simbolismo da «nação» e do seu papel.
- uma ideologia, incluindo uma doutrina cultural das nações, e a vontade nacional e as prescrições para a realização das aspirações nacionais e da vontade nacional.
- um movimento social e político para alcançar os objectivos da nação e realizar a sua vontade nacional2.
Por isso, dada a variedade de utilização do conceito, o nacionalismo pode ser, a um tempo, uma ideologia, uma doutrina, um sentimento, uma linguagem. No entanto, para uma melhor clarificação e enquadramento teórico-conceptual, adoptamos a definição do nacionalismo como “movimento ideológico para conservar e atingir a autonomia, a unidade e a identidade em nome de uma população que alguns dos seus membros consideram constituir uma «nação» real ou potencial”3. Esta perspectiva teórica do enquadramento da questão do nacionalismo como movimento ideológico fundamenta-se no princípio de que pretende alcançar e manter a autonomia, a unidade, e a identidade de uma nação4.
Subjacente ao nacionalismo, enquanto movimento ideológico, podemos discernir alguns tópicos ou propostas centrais dessa ideologia. Isto é, segundo Anthony D. Smith1, a ideologia nacionalista propõe que:
- o mundo está dividido em nações, cada uma delas com uma idividualidade, uma história e um destino próprios.
- a nação é a fonte de todo o poder político e social, e a lealdade para com a nação ultrapassa todos os outros compromissos de fidelidade.
- os seres humanos devem identificar-se com uma nação, se quiserem ser felizes e auto-realizados.
- as nações devem ser livres e seguras, de forma que paz e justiça prevaleçam no mundo.
Pode-se dizer então que o nacionalismo, qualquer que seja o seu conteúdo ou o elemento escolhido para sustentá-lo, é uma ideologia de nação. Ou, se quisermos ainda, podemos dizer que consiste na “exaltação da própria nação”2. Por outras palavras, a ideologia nacionalista “coloca a nação no centro das suas preocupações, e a sua descrição do mundo, bem como as prescrições à acção colectiva, apenas dizem respeito à nação e aos seus membros”3.